Crítica: Quincas Berro D’Água
Por Diego Estrella
Baseado na obra do escritor Jorge Amado, Quincas Berro D’Água nos mostra a morte do personagem (Paulo José) que dá título ao filme logo nos primeiros minutos. Ele é um bêbado que abandonou sua família para viver uma vida boêmia na companhia de outros vagabundos, estes os personagens que aprontam as peripécias durante o filme. Cabo Martim (Irandhir Santos), Pé de Vento (Luis Miranda), Pastinha (Flavio Bauraqui) e Curió (Frank Menezes) armaram toda uma noite de comemorações do aniversário do companheiro de farra. Ao saber da morte dele, não conseguem acreditar e decidem que é uma brincadeira do amigo, pois este sempre pregava peças e devem continuar com o plano da noite de folia do aniversário. Logo, o corpo de Quincas é carregado para os bares onde o grupo costumava passar as noites. O protagonista, apesar de ser um cadáver, brilha durante todo o filme, em parte pela narração de Paulo José, em parte por suas expressões faciais discretas, pois um morto não se manifesta, o personagem nos faz rir em diversos momentos.
Enquanto isso, sua família, daquelas tradicionais que desejam manter as aparências, quer que ele seja velado e visto como um homem da alta sociedade. Para justificar sua ausência de casa, eles inventaram a história de que ele se tornou um comendador e estava fora do país. Vanda (Mariana Ximenes), filha de Quincas, sente a mesma inadequação que levou o pai a sair de casa, mas prefere viver uma vida conservadora ao lado do marido, um oportunista de olho em regalias da alta sociedade. Esse atrito entre a família, aquela com o direito de velar o morto, e os amigos, aqueles que viviam as alegrias e as tristezas com o morto, mostra o conflito entre a rigidez da sociedade e a vida desregrada dos boêmios, estes sempre usando da malandragem para superar sua desvantagem perante a sociedade que os condena, enquanto os que vivem dentro da regra invejam a liberdade daqueles que só tem compromisso com sua alegria.
Repleto de humor e situações cômicas, ele trata temas sérios, como a perda de um ente querido, a diferença de classes sociais, a ordem rígida que segrega os pobres e os boêmios na Bahia dos anos 50, mas tudo com uma atmosfera leve, denunciada pela trilha sonora que, muitas vezes, parece o fundo musical de um circo, além das observações do narrador, que aproveita sua posição para tirar sarro e denunciar para o espectador todos os defeitos da sociedade que posa de moralista e denuncia os párias, enquanto esconde seus próprios pecados. Nada mais brasileiro do que a ordem imposta sendo desvirtuada pela farra dos bêbados e foliões no limiar da miséria e tudo terminando em festa, mesmo em horas tão trágicas. Eles não deixam de ter certa razão, pois, diante da morte, o que realmente importa?
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