Quando um filme tem Kristen Stewart no papel principal, só pode restar uma certeza e uma dúvida. Por um lado, o estúdio definitivamente quer atrair a multidão de fãs que a atriz ganhou na saga Crepúsculo. Por outro, os envolvidos ou não se preocupam com a qualidade da atuação principal, ou decidiram investir pesado no crescimento de Stewart como intérprete. O fato de ela rezar um Pai Nosso em sua primeiríssima cena em Branca de Neve e o Caçador, que estreia nesta sexta-feira, 1, pode ser um sinal.
Branca de Neve (Stewart) é filha do rei Magnus. Após a morte da rainha, ele se casa com Ravenna (Charlize Theron), que tira sua vida e toma o reino para si, mantendo Branca de Neve trancafiada por anos. Ravenna decide matar Branca de Neve quando o Espelho mágico diz que a jovem princesa representa uma ameaça a seu poder, mas ela escapa. O caçador Eric (Chris Hemsworth) recebe a ordem de capturá-la, mas eles se unem e tentam fugir da rainha. Seu amigo de infância William (Sam Claflin), ainda leal ao rei atraiçoado, também a procura.
Como não podia deixar de ser, Branca de Neve tem um destino romântico. Graças a um salto no tempo do dia em que ela se separou de William, ainda na infância, para a juventude, o menino desaparece e só volta depois de uma gratuitíssima cena de (re)apresentação. Até lá, o interesse amoroso de Eric não parece nem provável nem impossível, e o jogo de “Quem é o príncipe encantado?” até tem algum humor. Já a saída dos roteiristas Hossein Amini, Evan Daugherty e John Lee Hancock para resolver essa ambiguidade afetiva é risível no mau sentido.
Também bastante infelizes são os diálogos. Alguns são apenas repetem informações, outros confundem as ideias da trama, mas os que piores dão exemplos espetaculares de o que não oferecer para um ator. O Pai Nosso, entoado do começo ao fim, não é páreo para o momento no qual o Espelho diz a Ravenna que ela pode viver para sempre, ao que ela “responde”: “Imortalidade… Imortalidade para sempre!” Já que num filme de fantasia quase tudo pode ser explicado com alguma lógica interna, só faltou situar o espectador sobre o tipo de imortalidade que não dura para sempre.
Uma fala inclusive escancara uma escolha duvidosa do próprio roteiro. Branca de Neve e Eric passam por uma comunidade de mulheres que marcam seus rostos com cicatrizes para não terem sua beleza cobiçada por Ravenna, mas soldados da rainha os encontram e atacam o vilarejo. A jovem, com remorso, diz “Nós não deveríamos ter vindo para cá”. E ela está certa, na medida em que filme necessitava de uma dieta. Limar uma passagem como essa seria um bom começo. As mulheres marcadas – um bom elemento para enriquecer aquele universo – não precisavam de tanto espaço.
Além de uma duração excessiva que passa das duas horas, um problema crucial está no papel de destaque que Theron tem no início da projeção. A atriz embarca com gosto em cada instante de perversidade da personagem, mas quando o enfoque salta para Branca de Neve, os problemas se acumulam. Não só se passa muito tempo sem a presença de Ravenna, como suas cenas se tornam brevíssimas, quando não banais. À protagonista de verdade, por sua vez, falta não só o talento de uma boa atriz (e beleza), como também uma personalidade forte.
No quadro maniqueísta, que por si só não é correto ou equivocado, Branca de Neve representa a pureza e a inocência, mas suas ações são de tal modo sufocadas pela perseguição da qual é alvo que ela só desenvolve seu caráter, essencialmente Bom, às raias do clímax. A presença malévola faz uma falta sentida, e as sequências, quase todas inchadas, caminham em passo excruciante para que a protagonista se afirme ideológica e moralmente. A frouxidão vem da força Má que se distancia e da força Boa que tarda a se manifestar. Fica a impressão, ainda, de que os dramas que formaram a índole de Ravenna, se melhor abordados, resultariam muito mais interessantes que a construção pela qual Branca de Neve passa.
Os problemas de edição ainda são notáveis no plano-a-plano, na medida em que algumas poucas sequências de ação são as únicas bem montadas do filme. Em boa parte dos diálogos e das andanças, os editores são tão incapazes de reconhecer planos úteis e inúteis que é difícil acompanhar uma cena sem franzir as sobrancelhas. Há ainda um uso grosseiro de câmeras lentas no meio de cenas de ação, como se alguém quisesse descobrir qual a pior careta que um espectador é capaz de fazer.
O diretor estreante Rupert Sanders é tão adequado em criar belos instantes quanto é desprovido de sensibilidade para dar unidade ou um fiapo de coerência ao todo de uma sequência que seja. Vale citar a competência dos efeitos visuais, da direção de arte e da fotografia e os excepcionais figurinos, cheios de detalhes. Eu me refiro aos trapos da Branca de Neve e aos elementos esqueletais nos vestidos de Ravenna, por exemplo, e não à obviedade do vestido branco que a heroína usa em dado momento.
Também merece menção o elenco de anões, que conta com os sempre interessantes Nick Frost, Ray Winstone, Eddie Marsan e Toby Jones. Seus papéis, claro, são ínfimos. Mas em filmes como Branca de Neve e o Caçador, que erra tanto em elementos fundamentais quanto em minúcias, esse é o tipo de oásis ao qual se pode recorrer.
Matéria de Pedro Costa De Biasi