A história de “Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge“, que estreia nesta sexta feira, 27, se dá oito anos após “Batman: O Cavaleiro das Trevas“. Graças ao Ato Dent, criado em homenagem ao falecido e ainda glorificado Harvey Dent, Gotham quase que erradicou o crime nas ruas. Bruce Wayne (Christian Bale) passou esse tempo incomunicável, assim como o Batman, que se retirou para deixar os oficiais cumprirem seu dever. Já a Wayne Enterprises está à beira da falência por conta de um projeto de energia nuclear de Miranda Tate (Marion Cotillard) que não foi levado a cabo.
Certa noite, um exaurido Bruce flagra a gatuna Selina Kyle (Anne Hathaway) roubando seu cofre, e o Tenente Gordon (Gary Oldman), desconfiado da paz na cidade, descobre o mercenário Bane (Tom Hardy) e vários homens armados trabalhando nos esgotos. John Blake (Joseph Gordon-Levitt) é um jovem policial que também quer desvendar o mistério e espera, como Gordon, que o Batman retorne para salvar Gotham da ameaça iminente.
Uma série de elementos mantém os 165 minutos de projeção uniformes. O período que se transcorre na trama, a magnitude das cenas de ação, o investimento emocional nas personagens e mesmo a direção de Christopher Nolan garantem que o filme tenha a menor quantidade possível de picos e que, assim, mantenha um ritmo homogêneo. Essa planificação dramática pode ser encarada como comedimento ou como desleixo para com o espetáculo que essa segunda continuação poderia proporcionar.
A decisão é muito acertada. Com o apreço do diretor pelo (relativo) realismo, seria difícil superar as proezas da produção anterior sem cair em um exagero potencialmente ridículo. O resultado são cenas de ação orgânicas, mais extensões da narrativa que set pieces – e, levando em conta a irregularidade da grande perseguição de “O Cavaleiro das Trevas“, diminuir o fator espetáculo é um progresso sadio para a série. As ótimas lutas são filmadas com clareza e, em alguns casos, com surpreendente brutalidade, firmando a implacável vilania de Bane.
Os maiores arroubos ocorrem no campo emocional, como na relação de Alfred (Michael Caine) e Bruce ou nos momentos decisivos na trajetória do Batman e de Wayne. Fora essas escolhas – e um humor muito mais fluido –, Nolan ainda permanece reconhecível pela forma – a fotografia de Pfister e a trilha de Zimmer são as melhores da trilogia – e ainda mais pelo conteúdo do filme. Sua preocupação com a questão do controle, tão escancarada em “O Cavaleiro das Trevas” e “A Origem“, surge de formas diferentes, mas continua inconfundível.
Bane não é mais o agente do caos, pois suas ações diretas e pontuais têm objetivos quase que opostos. Ele almeja dominar Gotham para a manutenção do desespero e do caos político. O cineasta sabe retratar uma situação de descontrole como um fóbico descrevendo o objeto de sua fobia – a situação que Bane cria é encarada com a placidez de quem está aturdido, em planos como o das pontes e em todo o registro da cidade após a revelação do vilão –, e isto é muito positivo para o filme. É verdade que esse aspecto político modela um discurso conservador (e simplista) em vários níveis, mas a opressão é invariavelmente bem transmitida.
No fim, tudo isso decorre de Bane, em si, ter uma construção mais elaborada que o Coringa de Heath Ledger. Este, ao despejar suas ideologias em falas verborrágicas, funcionava mais como um fantasma ou como a encarnação genérica de uma ideia maldita. Seu triunfo seria um triunfo ideológico ou moral sem fins determinados. O nêmesis do Batman, neste terceiro filme, não só tem uma presença física impressionante, como também se apoia muito menos em uma comprovação moral da natureza humana – seus atos são mais ameaçadores pois não pretendem confirmar uma tese ou propagar um sentimento, mas sim gerar certos resultados.
Até mesmo ao esmiuçar as ideias e os simbolismos de suas ações Bane tem uma função menos vaga: enquanto o Coringa, como a ideia incorpórea que é, apenas se senta e fala sobre o estado-das-coisas e a natureza da relação vilão-herói, cara a cara com Batman, Bane ao rival durante uma luta feroz. Este capítulo final da trilogia traz uma inteligente evolução para uma figura vilanesca que, por se pretender absoluta, parecia insuperável – e o rosto oculto de Hardy também mostra que evoluir foi a saída para não errar na tentativa de superar o filme anterior.
A personagem também ganha com uma discussão bastante particular a Nolan. A cena de abertura nunca é explicada segundo a cartilha de Hollywood (a saber: em demasia), e muitos elementos permanecem misteriosos até o momento no qual são postos em uso. Bane ativamente nega a informação. E esta ferramenta, segundo o diretor, é item essencial para o controle. Além de impor um estado caótico e mantê-lo para fins vis, o genial vilão ainda usa a informação para atacar e se defender.
Como toda forte ideologia, porém, a de Nolan apresenta falhas, e sua obsessão pelo controle infelizmente gera problemas estruturais. Apesar de vários diálogos expositivos ao longo da projeção, alguns poucos marcam pela tediosa necessidade de revelar cada detalhe, ultrapassando não só a quantidade de informações que deveriam fornecer, mas também o tempo máximo para manter a fala justificável. A tendência triste do diretor de revelar dados desnecessários chega ao limite no clímax do filme – ou melhor, de toda a trilogia –, com um corte do mais profundo mau gosto que comunica verbalmente algo que a imagem já mostrara.
Mais inexplicáveis são certas ironias concebidas para apontar inconsistências da trama, como a “faca lenta demais” e o esquemático salvar-a-dama-em-perigo, tão bem trabalhado no filme de 2008. O próprio envolvimento de Bruce com uma mulher joga todo o aspecto emocional que existe em torno da falecida Rachel à condição de muleta narrativa para o terço final da projeção. Esse tom sardônico seria bem-vindo se não ironizasse atalhos tão grosseiros do roteiro.
De fato, não são poucos defeitos, e eles pesam a olhos vistos. Mesmo assim, por todas as qualidades que Christopher Nolan apresenta em “Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge“, tanto as que ecoam de acertos anteriores quanto as que mostram seu progresso como cineasta, a conclusão da trilogia é satisfatória.
Matéria de Pedro Costa De Biasi