Quem acompanha o Planeta Disney a mais de três anos, deve se lembrar que na época que o site ainda era um portal, tivemos uma fase que o site trazia semanalmente matérias especiais de algumas colunas fixas que tínhamos. Uma de nossas colunistas foi a amiga Lais Cattassini, que mensalmente falava sobre os musicais da Broadway que tinham ligação com o mundo Disney. Para o especial de 07 anos do Planeta Disney, ela volta a escrever uma matéria especial falando um pouco sobre os Vilões da Disney e porque amamos tanto odiar esses vilões, já que vilão bom mesmo, é o que é muuuuuuuuuito mal. Confira abaixo a matéria especial:
O PRAZER DA MALDADE
Por Lais Cattassini
Por Lais Cattassini
Posso estar me comprometendo, revelando um distúrbio mental ou afastando quem ainda não me conhece. Mas sempre me identifiquei com os vilões dos filmes. E foi assim desde criança.
Lembro muito bem do aniversário de uma menina (que é uma das minhas melhores amigas até hoje). Eu tinha uns seis, sete anos. O tema da festa era Aladdin, um filme que eu devo ter visto mais de 100 vezes, graças a meu avô que fazia questão de me dar todos os filmes da Disney em VHS. Naquela festa uma das atrações, aquela coisa pra divertir crianças felizes, foi a montagem da história da animação. Os convidados foram chamados para encarnar os personagens. Claro que a aniversariante foi a princesa. Nem me abalei. Quando perguntaram quem gostaria de fazer o vilão Jafar eu levantei a mão confiante. E fui a única. Nenhum menino foi homem o bastante para se oferecer. E nenhuma menina foi louca o bastante para fazer o mesmo. Ali treinei a minha gargalhada fatal. Gargalhada que uso até hoje quando falo alguma maldade, o que não é raro.
A vocação para a maldade não parava por aí. Quando minha mãe pedia para que eu e a minha irmã arrumássemos o quarto eu já sugeria:
– Vamos brincar de Cinderela?
Minha irmã, toda delicada e ingênua respondia prontamente:
– Vamos! Eu sou a Cinderela.
A minha resposta a essa sugestão era simples:
– Ótimo! Serei a madrasta.
E nós passávamos as duas horas seguinte arrumando os brinquedos. Eu sentada na cama, mandando a Cinderela se apressar, pois eu e minhas filhas estávamos atrasadas para o baile e eu não queria ver a casa suja.
O fato é que os vilões, em qualquer história, são sempre mais interessantes. As tramas são carregadas pelos antagonistas, que motivam a jornada do herói. Sem um vilão bem construído um filme pode se desmoronar em alguns poucos segundos de projeção. A Disney sempre soube construir bons vilões. Até mais do que algumas princesas.
Há mais camadas em Cruela De Vil e em Ursula do que em qualquer um dos dálmatas ou em Ariel. Para mim, sempre foi mais fácil torcer pelos vilões. Eles são mais trabalhados. Afinal, ninguém nasce mau (muito embora alguns filósofos discordem). Para atingir o nível de maldade de Malévola, por exemplo, é preciso viver uma vida de rejeição e aceitar as limitações que uma vida dedicada à crueldade implica. A solidão sendo, com certeza, a mais dura de todas.
É muito fácil ser princesa. Ariel, a personagem que eu mais detesto no universo Disney, teve pouco com o que se preocupar. Era órfã de mãe. Grande coisa. Aposto que a Ursula também era. O pai dela era um pouco controlador, mas vamos combinar que ele não estava pedindo nada demais para a filha. Queria apenas que ela aceitasse suas condições. Eu vejo Tritão como um pai pedindo ao filho que não se envolva no mundo das drogas. “É perigoso. Você pode viver dignamente mesmo com pouco. Você vai acabar morrendo, meu filho.” Adiantou?
Não, não adiantou. A coitadinha vende tudo o que o pai construiu, vende a família e pra quê? Para dar uns beijinhos em um cara que não sabe que ela existe e ainda é superficial.
Quem culparia a pobre da Ursula? Ela está errada em se aproveitar da burrice de uma adolescente? Quem mandou ser burra?
Vejamos Malévola, por exemplo. A minha favorita. Custava terem a chamado para o batizado da pequena Aurora? Vejam só o que a arrogância de um rei não provocou, não é mesmo? E tem outra. Adiantou afastar a menina por 16 anos? Os pais perderam de conviver com a filha e pra que? No final ela continua picando o dedo e dormindo por alguns minutos. Grande coisa. Nem foi um feitiço assim tão dramático. Se considerar que a Malévola passou anos sendo ignorada pelo reino, escondida em uma torre, convivendo com porcos e javalis que são, como ela mesma diz, “idiotas, imbecis”, Aurora saiu no lucro. Tirou uma sonequinha e perdeu toda a solenidade chata que deve ter sido a comemoração para seu retorno. Malévola fez um favor a todos nós.
Tem como não se identificar com os vilões? Eles são mais espertos. Geralmente vivem felizes pela maior parte do filme e têm as melhores falas. “Idiotas, imbecis” é a minha favorita. Como “A Bela Adormecida” sempre foi meu filme preferido, faço questão de usar essas duas palavrinhas sempre que tenho problemas com pessoas incompetentes em trabalhos da faculdade.
Os vilões da Pixar são ainda mais deliciosos. Sid, de “Toy Story”, sabe mesmo como se divertir com um brinquedo. Andrew Stanton mesmo disse que brincava destruindo seus brinquedos quando era criança. E alguém duvida de que é Sid quem se diverte mais? Síndrome, de “Os Incríveis”, é um gênio. E as falas? De novo, é ele o dono das melhores frases ditas em todo o filme.
Os estúdios Disney sempre souberam construir bons vilões e é por isso que seus filmes continuam fantásticos até hoje. Não é a inocência da Branca de Neve que faz um filme de 1937 ser tão atual. É a habilidade da bruxa, sua beleza, sua inteligência, que fazem com que os minutos de projeção passem voando. Afinal, é ela quem conduz a história. Sem ela, assistiríamos a um filme sobre uma mulher vivendo com sete homens. Grande coisa, né? Aposto que tem alguma pornochanchada brasileira com essa premissa.
Não é raro ver filmes com grande potencial fracassarem em razão de um antagonista mal construído. Acredito que é isso que falta nos filmes mais recentes: revelar as causas que levaram uma pessoa, bruxa ou animal a ser cruel. E continuo acreditando que, quanto pior o vilão, melhor o filme. Um pouco de maldade nunca fez mal a ninguém. Ou fez?